Um clamor com 60 anos: «Go home!»<br> - a propósito de uma reunião da NATO em Portugal
Há 60 anos, mais exactamente entre os dias 20 e 25 de Fevereiro de 1952, teve lugar em Lisboa uma reunião do Conselho de Ministros da NATO, da qual Portugal era membro fundador. Apesar da repressão e da vigilância reforçadas especialmente para o efeito, o povo português expressou das mais variadas e criativas formas o seu repúdio pela presença em Portugal dos «fomentadores da guerra», naquela que foi, sem dúvida, uma importante e memorável jornada de luta pela paz.
Conta o Avante! de Março desse ano que «na torre do aeroporto de Lisboa, onde desembarcaram os fomentadores da guerra, estava pintada a vermelho com letras muito grandes a frase AMI, Go Home (americanos, ide-vos embora!) e grande parte daqueles foram obrigados a lê-la». Nas próprias paredes do Instituto Superior Técnico, onde se realizava a reunião, «por duas vezes os jovens encheram as paredes interiores e exteriores com inscrições a tinta e a carvão que diziam: “Queremos a Paz! Abaixo a Guerra! Abaixo o Pacto do Atlântico! Não iremos à guerra! Luta pela Paz! O IST para os estudantes!, etc.”».
As inscrições não ficaram confinadas às zonas em torno do local da reunião e um pouco por toda a cidade de Lisboa (e não só) surgiam pichagens contra a NATO, contra a guerra e pela Paz. Muitos jovens foram presos durante a pintura destas inscrições.
No dia 22, foi colocado entre o segundo e o primeiro balcão do cinema Tivoli um grande cartaz com a frase «Paz Sim! NATO Não!» e nas traseiras de três autocarros foram colados «grandes cartazes incitando à luta pela paz e contra o P.[acto do] Atlântico», acrescenta ainda o Avante!.
Na Baixa de Lisboa, em hora de grande movimento, três jovens penduraram no Elevador de Santa Justa dois enormes cartazes com as frases «Luta pela Paz!» e «Fora o Pacto do Atlântico!». Uma das protagonistas desta audaciosa acção foi Margarida Tengarrinha, então estudante de Belas-Artes, que, no seu livro Quadros da Memória, conta que deles se soltaram centenas de «belíssimas gravuras referentes aos problemas da guerra, da paz e do armamento atómico» feitas por Júlio Pomar, Lima de Freitas e José Dias Coelho. Os cartazes «ainda se aguentaram um bom bocado», acrescenta Margarida Tengarrinha, ao passo que as gravuras «eram apanhadas pelas pessoas que estavam de nariz no ar a olhar para eles e só dispersaram depressa quando apareceram polícias a arrancar os cartazes».
Já Carlos Aboim Inglez, então dirigente do MUD Juvenil, recordava (num depoimento prestado a Miguel Medina e publicado no livro Esboços) que durante a reunião foi largado no Instituto Superior Técnico um porco ensebado, que tinha escrito NATO a tinta preta. «Depois eles queriam agarrá-lo mas, como estava com sebo, foi o cabo dos trabalhos.»
Pacto de paz e não Pacto do Atlântico
Não foi só com acções espectaculares que se expressou o repúdio popular à reunião da NATO em Portugal e ao próprio Pacto do Atlântico. Há muito que o PCP, nomeadamente através do Avante!, denunciava a subserviência de Salazar aos Estados Unidos da América, através do Plano Marshall; das avultadas despesas em «preparativos de guerra», que consumiam uma grande parte da riqueza criada; ou da cedência de território nacional para a instalação de bases militares.
Também o Movimento Nacional Democrático foi parte activa nesta luta. Em Janeiro de 1952, emite um comunicado em que realça que «desde a entrada em vigor do Pacto do Atlântico, acentuou-se ainda mais o carácter antidemocrático do regime, agravou-se a situação económica do povo português, dificultou-se a cooperação pacífica entre as nações». Em coerência, o MND defendia a saída de Portugal da NATO, a condenação da política armamentista e a elaboração de um Pacto de Paz entre as cinco potências.
Esta última reivindicação, transformada em abaixo-assinado que opunha este pacto de paz ao Pacto do Atlântico, levou a que fossem recolhidas milhares de assinaturas em Portugal, nomeadamente por membros do MUD Juvenil. Às embaixadas dos países membros da NATO chegaram, segundo o Avante! de Fevereiro de 1952, milhares de cartas de protesto.
A movimentação em torno da rejeição da reunião da NATO em Lisboa foi um ponto alto de uma luta que desde o início da década de 50 vinha ganhando, em Portugal como no mundo, um grande protagonismo – a luta pela paz. Em 1949, tinha sido criado num congresso realizado simultaneamente em Paris e Praga, o Conselho Mundial dos Partidários da Paz (mais tarde Conselho Mundial da Paz) e em Agosto do ano seguinte nascia a Comissão Nacional para a Defesa da Paz. A luta contra a guerra, a bomba atómica e a corrida aos armamentos passaria definitivamente a ombrear com a luta pela liberdade, pela democracia, pelo derrubamento do fascismo.